Em geral, começa-se um ministério pastoral ou leigo pensando que vai dar certo. Os sonhos de realização profissional, relacional, afetiva, entre outros, habitam o imaginário humano. Aposta-se na bondade humana, nas igrejas engajadas, em recursos para evangelismo e por aí vai.
É parecido com casamento: alguém precisa avisar os incautos que é necessário mais do que a benção pastoral para comemorar bodas. Temos uma incrível capacidade para idealizar pessoas e situações. E em função destas idealizações, seja com pessoas, seja com instituições, aumentam a cada dia a desistência de lideranças eclesiais. Não que as lutas sejam fictícias, ao contrário, são reais e lamentavelmente, algumas levam a óbito.
Uma música antiga de Ivan Lins e Vitor Martins começa assim:
Desesperar jamais,
Aprendemos muito nesses anos
Afinal de contas não tem cabimento
Entregar o jogo no primeiro tempo
Nada de correr da raia
Nada de morrer na praia...
É verdade que aprendemos muito nestes anos, mas como não fugir quando bate a angústia? O que fazer se a desesperança tomou conta do coração?
Na narrativa sobre os caminhantes de Emaús, no Evangelho de Lucas, lemos que dois discípulos estavam abandonando o ministério justamente no dia do maior de todos os milagres – a ressurreição do Senhor! Fugiram da raia, estavam desesperados! Como muitos, haviam apostado tudo neste sonho e o sonho acabou!
Quando o sonho se desfaz, cria-se um distanciamento geográfico ou emocional. Este afastamento funciona como um mecanismo de defesa, para que a pessoa consiga lidar ainda que provisoriamente com a perda. A dor e a desilusão impedem que se veja além dos fatos. Estados depressivos de modo geral, produzem um retraimento que impede a pessoa de reconhecer e reinterpretar a situação.
Robert A. Orr, em seu livro Liderança que Realiza, comenta quatro sentimentos que podem levar um líder a desistir do ministério:
1º) Depressão: talvez por ter estabelecido alvos demasiados elevados;
2º) Solidão: as exigências de tempo e a preocupação genuína a respeito de problemas reais o separarou das pessoas;
3º) Rejeição: aqueles com quem ele contava não cumpriram com suas responsabilidades ou voltaram-se contra ele.
4º) Desânimo: ele tem uma falsa avaliação dos seus talentos, dos valores da sua organização ou ministério, levando-o a crer que não serve para nada, é incapaz, destituído de talentos e inadequado.
Na verdade, o esgotamento atinge a pessoa nas suas várias dimensões: orgânica, social, espiritual. Estes fatores são interligados, e desta forma, questões emocionais e espirituais misturam-se no território biológico do corpo. Podem aparecer sintomas psicossomáticos de todos os tipos, desde dores de cabeça, dores generalizadas pelo corpo, resfriados e outras doenças frequentes, desânimo, cansaço, alergias, alterações de sono, alimentação e atividade sexual, enfim, alterações que indicam uma baixa na imunidade corporal.
Socialmente podem acontecer conflitos, discussões, distanciamentos. A comunicação fica truncada e surgem os “mal entendidos”. Polarizam-se as opiniões. Pode haver uma rejeição da pessoa ao grupo ou do grupo, que exclui os dissonantes.
Os sentimentos apontados por Orr aparecem no relato de Lucas. Os discípulos em abandono de ministério estavam depressivos (a irritação na fala de Cleópas denuncia isso), e desanimados. Sentiam-se solitários, pois embora eles mesmos tenham se isolado, ficou o vazio que só é suprido pela comunidade. A rejeição acontece interna e externamente: o escândalo da cruz foi tremendo! É possível que tenham se sentido traídos por Jesus!
O texto mostra também as dificuldades de comunicação. Jesus avisou-os várias vezes sobre os acontecimentos futuros, mas a escuta deles foi seletiva: ouviram o que queriam porque sua atenção estava focada na dominação romana. Conseqüentemente, esperavam um libertador. A prisão de Jesus, as horas em meio ao tumulto sem comer e sem dormir, o medo, tanto da cúpula religiosa quanto dos soldados romanos, os sentimentos contraditórios de defender Jesus ou a própria vida, minaram suas forças. Quando se está cansado, com sono e com fome, é comum que se cometam erros. É nisto que apostam a Swat e grupos de operações especiais de combate ao crime: cansam o “elemento” até que um descuido favoreça a atuação policial.
Os caminhantes de Emaús tendo vivenciado tensões e uma grande perda, desistiram e se distanciaram da comunhão dos outros irmãos. Ou seja, quando as idealizações e os sonhos desmoronam, nos fazem aterrizar num pouso de barriga, que assusta e pode machucar. Isto aparece claramente no versículo 21 deste texto: “e nós esperávamos que fosse ele que ia trazer a redenção a Israel. E hoje é o terceiro dia desde que tudo isso aconteceu”.
As idealizações que todos temos e desenvolvemos acabam por trazer frustrações quando se coloca o pé na realidade. Antes de pular fora do barco, pergunte-se: quais as minhas idealizações? Qual a minha frustração? O que eu esperava e não aconteceu?
Essa narrativa é um modelo catártico e de aconselhamento. Ela ensina que expressar a dor frente a alguém e relatar o que aconteceu propicia uma reorganização interna dos pensamentos e das emoções. Ensina também que até gente que conviveu com Jesus desistiu quando a dor foi absurda e impediu de escutar a noticia de esperança, trazida pelas mulheres.
Todos nós podemos passar pela noite escura da alma, como diria S. João da Cruz. Se isto ocorrer, faça um inventário das suas ilusões e idealizações. Veja qual é a sua parte nesta história. Não entregue o jogo no primeiro tempo! Busque ajuda! E mesmo que já tenha desistido, procure alguém que saiba escutar e partir o pão da comunhão. Isto abrirá seu coração e seus olhos. Vai levar um tempo: é um processo. É no caminho de desilusão e da perda da fé que o Senhor nos alcança e passa a caminhar ao lado. É este encontro que modifica o coração.
Aconteceu com eles. Pode acontecer com você!
Roseli Kühnrich de Oliveira
Fonte: www.institutojetro.com